O Startup Genome 2024, um dos mais reconhecidos relatórios globais sobre ecossistemas empreendedores, classifica Portugal na 29.ª posição no ranking mundial, tendo descido três lugares em relação a 2023. Os Estados Unidos, o Reino Unido e Israel ocupam o TOP 3. Compreensivelmente, os países mais desenvolvidos e as grandes cidades do mundo lutam entre si pelo mérito de serem o melhor local para empreender e ascender nos rankings de empreendedorismo. Fixar e atrair o melhor talento nacional e internacional, competindo para criar condições ao desenvolvimento de startups mais disruptivas, é um objetivo estratégico de muitas cidades e governos. As startups são um sinal de vitalidade, inovação, fixação e atração de talento, bem como de desenvolvimento económico, social e de criação de novos empregos.
Desvalorizar as startups, porque inicialmente os empreendedores são jovens e inexperientes, ou porque muitas das ideias não vingam e implicam grandes riscos e necessidade de apoio, é um erro estratégico colossal. As startups são o grande veículo visível da atitude empreendedora de um país. Tal como os próprios empreendedores, um país empreendedor é sempre mais livre, autónomo e capaz de se afirmar e competir num mundo global. Os empreendedores são a grande fonte de energia e esperança de uma sociedade para encontrar soluções alternativas para os seus problemas.
O relatório identifica seis critérios que determinam o sucesso no ranking de um ecossistema de inovação:
1. Desempenho Económico Este fator mede o valor total gerado pelo ecossistema, ou seja, o valor das saídas (exits) e as avaliações das startups. A performance reflete o impacto económico e o sucesso em termos de criação de empresas de elevado valor. Um ecossistema de alto desempenho gera unicórnios e grandes exits, atraindo investidores e talentos internacionais.
Em Portugal, a indústria de venture capital tem uma clara necessidade de gerar mais valor, liquidez e exits. Precisamos de uma cultura de early exits, mais experiência, dinamismo e visibilidade internacional. O facto de certos apoios públicos limitarem o desenvolvimento de um mercado secundário nacional, impedindo que fundos apoiados adquiram participações de outros fundos ou business angels, restringe severamente o nosso ecossistema.
2. Financiamento A disponibilidade de capital é um dos elementos mais críticos para o crescimento das startups. Inclui o montante de capital de risco disponível, a presença de business angels e a acessibilidade a capital em diferentes fases (early-stage, Series A, B, etc.). Ecossistemas bem financiados atraem startups de outros locais e têm um ciclo saudável de investimento e retorno.
Neste aspeto, Portugal apresenta fragilidades, sobretudo na ausência de uma política fiscal mais encorajadora para business angels e early-stage. A burocracia excessiva, as normas rígidas de alguns programas e prazos de execução irrealistas dificultam a aplicação de incentivos públicos que, na origem, seriam positivos, mas na prática, precisam de ser bastante afinados.
3. Acesso ao Mercado Este fator avalia a capacidade das startups de um ecossistema para alcançar mercados locais e globais. Ecossistemas com bom acesso ao mercado fornecem oportunidades de crescimento rápido. Exemplos como o Silicon Valley beneficiam de uma rede de contactos globais e proximidade aos principais players internacionais, oferecendo vantagem competitiva.
Em Portugal, ainda não explorámos completamente as nossas ligações históricas com países como o Brasil ou o Reino Unido, que poderiam ser mais desenvolvidas para facilitar o acesso de startups a mercados maiores.
4. Talento A disponibilidade de talentos qualificados é essencial para o desenvolvimento de qualquer ecossistema. Este critério avalia a qualidade e a quantidade de trabalhadores e fundadores qualificados, especialmente em áreas tecnológicas e de negócios. Universidades fortes e a capacidade de atrair talento global são características de ecossistemas bem-sucedidos. Portugal tem sido amplamente reconhecido pela qualidade do seu capital humano técnico e de gestão.
5. Interligação Conexões fortes entre startups, mentores, investidores e universidades são vitais para a inovação e o sucesso. Este critério mede o grau de interação e colaboração no ecossistema, incluindo eventos, networking, mentorias e parcerias estratégicas. Ecossistemas conectados facilitam a partilha de conhecimento e recursos, aumentando as hipóteses de sucesso para as startups.
6. Conhecimento Reflete a capacidade de um ecossistema para produzir inovação baseada em conhecimento, como patentes, publicações científicas e desenvolvimentos tecnológicos. Ecossistemas prósperos estão frequentemente próximos de centros de investigação e universidades, promovendo a transferência de tecnologia para startups. Um fluxo constante de inovação oferece uma vantagem competitiva e torna as startups mais preparadas para resolver problemas complexos.
Desenvolver uma estratégia para o empreendedorismo em Portugal
Criar uma startup pode ser uma opção de vida que gera desenvolvimento pessoal, valor e riqueza tanto para o próprio como para a sociedade. Os unicórnios de origem portuguesa são a ponta visível de um iceberg que indica que algo está a ser bem feito. No entanto, não me conformo com a ideia de sermos lugar 29 no ranking dos ecossistemas mundiais, nem de sermos apenas um “berço de unicórnios”, onde os empreendedores são muitas vezes atraídos a mudar as sedes das suas empresas para países com melhores condições fiscais. Isto acontece porque não estamos a fazer tudo o que podemos e devemos para os reter em Portugal.
Aqui deixo três ideias-chave para contribuir positivamente para o desenvolvimento do nosso ecossistema:
- Benefícios fiscais para o investimento em startups. Dado o elevado risco e a taxa de insucesso nas fases iniciais, é essencial compensar as perdas de investimento com uma política fiscal mais favorável para business angels e investidores early-stage. Tal como no Reino Unido, seria importante permitir que parte do IRS pudesse ser canalizado para investir em startups, e as perdas deveriam ser consideradas crédito fiscal. Estas medidas atrairiam mais capital, reduzindo a emigração de jovens empreendedores e atraindo talento internacional.
- Aumentar a liquidez do mercado português de early-stage. A liquidez é fundamental em qualquer mercado de investimentos. No entanto, o ambiente das startups é muitas vezes limitado, pois os investidores precisam de esperar anos para um exit. O Estado deve colaborar com a indústria de venture capital e business angels, criando, por exemplo, um Fundo de Secundárias, para aumentar a liquidez no mercado early-stage e um fundo de fundos com um mix de players nacionais e internacionais relevantes.
- Aumentar a visibilidade das startups portuguesas e atrair parcerias com grandes players internacionais. Portugal precisa de se tornar mais visível nos grandes ecossistemas internacionais. Aumentar a visibilidade das nossas startups e ligá-las a ecossistemas de topo ajudará a fortalecer a nossa posição e a criar condições para que os nossos empreendedores se tornem verdadeiramente globais. Para isso, é necessário trabalhar com os melhores players nacionais e atrair os melhores programas de aceleração internacionais.
Conclusão
Portugal nunca será o melhor país do mundo para resolver o problema de investimento em fases mais avançadas (Series A, B, C). Não temos capital suficiente para competir com Silicon Valley, Londres ou Berlim, nem uma cultura de grandes exits e IPOs. Contudo, de forma realista e sem ilusões, Portugal pode ser um dos melhores países do mundo para criar uma startup, atrair talento empreendedor e ajudá-lo nos primeiros passos. O desafio será sempre coletivo, e como criadores de um ecossistema vibrante, temos o potencial de ser um dos portos mais seguros para começar a jornada empreendedora. Orgulhosos do que já construímos, conscientes do muito que falta.
Portugal: o lugar certo para empreender, investir e contribuir. Agora.